No segundo domingo do mês de agosto é comemorado o Dia dos Pais no Brasil. É um dia especial para as famílias, pois os filhos homenageiam seus pais, e agradecem todo o carinho recebido ao longo da vida. Um dia celebrado com muita alegria, abraços, bilhetes e presentes. Mas, infelizmente essa alegria não chega a todos os lares.
Não são todos os pais que cumprem os deveres decorrentes do poder familiar, ou seja, a obrigação legal de cuidar dos filhos. E tal descuido com a prole, que denominamos “abandono afetivo”, tem sido cada vez mais debatido na sociedade, gerando inclusive condenações judiciais.
Abandonar um filho é forma grave de maltrato, ensejando a patente violação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (Art. 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete todo o ordenamento jurídico brasileiro.
Sobre os deveres do poder familiar, ou seja, dos pais com seus filhos, a Constituição Federal, em seu Art. 229, foi ainda mais incisiva: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. E lhes assegura ainda, expressamente no Art. 227, o direito à “convivência familiar”. O Código Civil também reiterou expressamente tais deveres de criação e educação em seu artigo 1634, bem como, o Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 22.
A jurisprudência sobre o tema tem evoluído desde 2003, quando na comarca de Capão da Canoa/RS, houve a primeira condenação por danos morais decorrentes de abandono afetivo. Destaca-se, o julgamento da Terceira Turma Cível do STJ, que em 2012, admitiu a reparação de danos por abandono afetivo, condenando um pai a indenizar sua filha, com destaque para a frase da ministra relatora “Amar é faculdade, cuidar é dever”. Cumpre salientar, que no legislativo, tramitam projetos de lei específicos sobre o tema, caracterizando o abandono afetivo como ato ilícito.
A criança abandonada pode apresentar deficiências em seu comportamento para o resto da vida. A dor da criança que esperava por um sentimento, ainda que mínimo, de amor ou atenção, pode gerar distúrbios de relacionamento social, problemas escolares, depressão, tristeza, baixa autoestima, inclusive problemas de saúde, entre outros devidamente comprovados por estudos clínicos e psicológicos.
Além das sequelas produzidas nessas crianças, o custo social do abandono aponta cifras alarmantes, que chegam a influenciar índices de criminalidade, tal como, por exemplo, em Santa Catarina, aonde 06 (seis) entre cada 10(dez) internos em unidades de menores infratores tiveram uma infância sem pai. No mesmo sentido, recentes estudo do Ministério Público de São Paulo/SP concluiu que 02 (dois) em cada 03 (três) jovens infratores vêm de família que não têm o pai dentro de casa.
O abandono de filhos, não repercute apenas nos índices apontados, mas na sociedade como um todo. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apontam que existem ao menos 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento. Tais números são assustadores, e refletem uma gravíssima irresponsabilidade social.
As infância é sempre o maior patrimônio de uma sociedade, que pode ser avaliada pela maneira que cuida das suas crianças. Não podemos admitir o abandono de filhos como um fato normal da vida humana, pois não é apenas na certidão de nascimento que um pai faz falta.
Assim, na mesma semana que comemoramos a importante data, dedicada a todos aqueles pais que cuidam dos seus filhos, precisamos refletir sobre a cultura do abandono. O abandono destrói o projeto de vida de milhares de crianças e adolescentes, causando-lhes graves sequelas e impondo os mais diversos problemas sociais. É preciso colocar um fim a uma sociedade com filhos órfãos de pais vivos.
É preciso que todos entendam a gravidade do problema, e dessa forma, se mobilizem com campanhas a favor da paternidade responsável no Brasil. E nos casos aonde a prevenção não surtir efeito, que sejam proferidas as mais severas condenações para a reparar o dano, com efeito pedagógico a desencorajar tais condutas omissivas. Não punir pais ausentes, é incentivar o hábito de impor a difícil tarefa de educar os filhos somente às mães.
Entretanto, é importante salientar, que a maior punição para cada pai omisso, será sempre não ter a alegria de estar com os filhos neste domingo, para receber aquele abraço especial, e ouvir a emocionante frase FELIZ DIA DOS PAIS!
*Charles Bicca, advogado, especialista em Garantia dos Direitos e Política de Cuidado à Criança e ao Adolescente pela Universidade de Brasília (UnB). É autor do livro ABANDONO AFETIVO – O Dever de cuidado e a responsabilidade civil por abandono de filhos (OWL Editora). Coautor do livro PEDOFILIA – Repreensão a crimes sexuais contra crianças e adolescentes (Mallet Editora). Autor do livro MÃE, CADÊ MEU PAI? (OWL Editora).